Wednesday, May 28, 2008

Sobre a guerra que não houve (ou 'Deus Castiga')

Contextualizando:

Moro 'num bom lugar/ para ver o mar/ Copacabana...'. Mais exatamente num ponto conhecido como Copacabana-quase-Leme. Leme é um bairro ao lado de Copacabana. O Leme tem um morro e duas favelas/comunidades, ou duas favelas/comunidaes e um morro, chamadas Chapéu Mangueira e Babilônia. Locais praticamente pacíficos até poucos meses atrás. Agora o Leme está em guerra. Traficantes da Rocinha, ou do Complexo do Alemão, um desses lugares bacanas, estão tentando invadir o Chapéu Mangueira/Babilônia. Há meses escutamos, de meu apartamento, ao longe, tiros, granadas e afins.

Agora sim, vamos ao post:

Madrugada de terça-feira. Duas da matina. Dormindo, óbvio. De repente... pá pá pá pá, bum bum, taratátá... Barulhos terríveis de tiro. Só que, dessa vez, nada de Leme. Era na minha rua. Acordei apavorada, me joguei no chão do quarto. Ouvi minha mãe me gritando lá de dentro, do quarto dos fundos: "Vem pra cá, filha, vem pra cá!" Fui me arrastando pelo chão do quarto, até chegar ao corredor, e por fim levantar e terminar o percurso até o quarto dos meus pais, correndo. Chegando lá, meus pais dizem que viram um clarão horrível na rua. Pronto, estamos em guerra. Cheiro fortíssimo de pólvora. Acabou a tranquilidade de Copacabana. Temos que sair do Rio. Isso é um absurdo, estamos entregues, nem uma sirene de polícia nessa bodega de cidade. Papai, o chefe da família, foi olhar na janela. As pessoas agiam como se nada tivesse acontecido. A vendedora de cachorro quente continuou na esquina; o lixeiro continuou recolhendo o lixo; a boate continuou com sua música bombante. "As pessoas já estão acostumadas com a violência, que cidade é essa??". Ficamos até às 3 da matina, os quatro, meus pais, minha irmã e eu, deitados na cama do quarto mais seguro da casa. Nesse momento, como não ouvíamos mais nada, voltamos para nossos respectivos quartos e voltamos a dormir.

Quatro da matina. Pá pá pá pá, bum bum, taratátá... Dessa vez, um pouco mais distante. Corri novamente ao nosso 'bunker', e lá encontrei a família reunida. Mais lamentações. Piadinhas a respeito de minha rastejada anterior. "Não, dessa vez vim correndo, não tava tão perto...". Piadinhas a respeito do porteiro: "Vamos interfonar para saber o que está acontecendo!" "Que nada, a essa hora o porteiro está todo *mijado* lá na portaria". Gargalhadas. Piadinhas com a irmã militar: "Vou trazer a minha tropa de elite para cá. Já tenho até a escalação completa!". E cita, em seguida, os nomes dos ex-namorados militares, e também de um ou outro superior não muito querido. Cômico, se não fosse trágico. Às 5 da manhã, novamente, voltamos aos nossos quartos.

Seis da matina. Pá pá pá pá, bum bum, taratátá... Dessa vez tão forte e próximo quanto da primeira vez. Mas, já mais acostumada, fui correndo, nada de rastejar novamente. Vi o imenso clarão na rua. Novamente, cheiro de pólvora. Sem mais possibilidades de dormir. Ficamos os quatro juntos, esperando a televisão noticiar alguma coisa, e nada. Às sete, meu pai nos chama para olhar a janela: "Olha lá... estruturas de fogos de artifício!! Isso é tática de guerrilha, e muito inteligente!! Para assustar as pessoas, mostrando poderio que eles não têm! Você acha que essa idéia veio daqueles 'cabeça de bagre' do morro? Claro que não, tem gente mais esperta trabalhando para eles...".

Após as emoções da noite, volto para minha cama, numa última tentativa de dormir. Minha irmã sai para o trabalho. Minutos depois, liga:
- Vocês não acreditam o que foi essa bagunça... Conversei com o porteiro. Isso foi por causa do jogo do Sport com o Vasco, hoje, pela Copa do Brasil. Os jogadores do Sport estão nesse hotel em frente ao nosso prédio. Para que eles não dormissem, os torcedores fizeram isso. Por vingança. Fizeram o mesmo com os jogadores do Vasco lá em Recife...

Inacreditável. Nunca senti tanta raiva de meus companheiros vascaínos. O que o medo não faz com a gente, não é mesmo? Até provar que focinho de porco não é tomada... E é assim que nos sentimos, morando no Rio de Janeiro, que continua sendo...

* * *

Talvez isso tenha sido castigo dos céus, só porque super me diverti com a derrota dos flamenguistas, em outra noite barulhenta na minha rua. Toma, vascaína!

* * *

Que pelo menos o Sport perca a bodega do jogo, e com os necessários dois gols de diferença, para alguma coisa ter valido a pena nessa noite infernal!! :p

2 comments:

Sheila said...

título de livro stáile. deve estar m lembrando algum parecido...

Clara said...

Sobre a guerra que não houve dava um bom livro mesmo.

Já o Vasco...