Friday, September 28, 2007

No trânsito...

'Carga Viva' – termo em destaque, grandes letras brancas em fundo preto. Era um imenso veículo da polícia militar, tipo caminhão, cuja caçamba possuía pequenas vigas, onde era possível observar alguns pares de assustados olhinhos eqüinos, em meio ao trânsito da Avenida Brasil.

Carga Viva. Os ônibus também deveriam vir com esse aviso... Acho que alguns motoristas esquecem disso, às vezes. Muito freqüentemente, eu diria.

Monday, September 24, 2007

Ainda sobre (...)

Dias depois. Avenida movimentada. Um carro corta o ônibus no qual me encontro.

- Esse povo não tem o mínimo de noção, morre aí e ainda atrapalha a vida dos outros... - comenta a trocadora.
- Pois é, se fosse se matar sozinho, beleza, problema dele. Mas não, arrisca machucar um monte de gente... - responde o motorista.
- Pois é, que nem o acidente da semana passada. O menino faz besteira e ainda vai atrapalhar a vida do motorista... - continua a trocadora.
- Ah, o acidente da semana passada? Você sabe como está o menino? - pergunto.
- Ah, tá muito mal, muito mal mesmo...

* * *

Hoje, em minha viagem diária. Falas soltas:

"É, lá no aterro. Não tem como não morrer, né, cara? Morreu, sim. Morreu no dia seguinte. Não tinha como ser diferente".

Não pergunto.

* * *

O acidente foi em frente a um campo de futebol. Antes do acidente o menino devia estar lá, assistindo a partida. Quando aconteceu o acidente, o jogo parou. Mas só por breves minutos. Logo recomeçou.

Passo hoje em frente a um campo de futebol. Não aquele do acidente, outro. E me dói pensar em todas as partidas que o menino não vai jogar.

Wednesday, September 19, 2007

(...)

Dia agitado, muito trabalho, apresentações, fala em público, todas essas coisas que deveras fadigam (quase) todo ser humano. Sensação de dever cumprido, e talvez até um pouco mais que isso, devido aos muitos elogios. Sentimento de orgulho, tão estranho a mim, tão incomum... um sentimento doce, doce demais, e eu começava a refletir a respeito disso, a compreender melhor sobre um dos poucos ‘pecados’ que não costumam me afetar. Na volta para casa, optei pelo ônibus mais lento, não tinha pressa, eu tinha feito o que era preciso, superado aquela etapa. Cansaço físico, satisfação mental.

Mais da metade do caminho percorrido, chegando...

“_ Ai meu deus, ai meu deus...”.

Barulho.

Atropelamento. Um menino, uniforme escolar, dez anos, no máximo, chora pelo amigo. Não consigo olhar. Vejo apenas a mochila azul, jogada no meio da pista, longe de seu dono. Todos descem do ônibus, e eu fico parada, olhando o motorista. Cabeça baixa, mãos na testa, cotovelo apoiado no volante, desespero. “Você não teve culpa, fica calmo!”, muitos dos passageiros disseram. Não eu. Sua tristeza muda era pesada e me paralisava.

Desci do ônibus. A larga linha de sangue corre no chão, saindo do centro da aglomeração. As pessoas cercam o menino, e pisam em seu sangue, sem perceber, ou sem se importar.

“Ele tá vivo, motorista, fica calmo!”, diz um dos passageiros ao motorista, imóvel em frente ao volante.

“Sai de cima, sai de cima, se não vai ajudar, não fica aglomerado aí”, grita uma menina aos curiosos.

“Eu vou querer o dinheiro da minha passagem de volta!”, resmunga uma das passageiras que espera ansiosa que outro ônibus passe para resgatar os passageiros.

“Sabe, eu tive sorte. Outro dia, eu ‘bêbedo’ na Avenida Brasil, fui e voltei, atravessei os dois lados, e nada me aconteceu. Foi a mão de Deus, me levou pros dois lados, de cá pra lá. Impressioante, não?” me confidencia um curioso com poucos dentes.

A ambulância chega, o menino é levado com seu amigo. Outro ônibus pára, e acolhe os passageiros. Volto para casa, e lembro de um comentário feito por aqui, no blog: ‘carne e osso são coisas frágeis demais pra garantirem algo tão importante quanto vidas humanas, não acha?’. Sim, eu também acho.

E o orgulho, para quê?