Monday, September 24, 2007

Ainda sobre (...)

Dias depois. Avenida movimentada. Um carro corta o ônibus no qual me encontro.

- Esse povo não tem o mínimo de noção, morre aí e ainda atrapalha a vida dos outros... - comenta a trocadora.
- Pois é, se fosse se matar sozinho, beleza, problema dele. Mas não, arrisca machucar um monte de gente... - responde o motorista.
- Pois é, que nem o acidente da semana passada. O menino faz besteira e ainda vai atrapalhar a vida do motorista... - continua a trocadora.
- Ah, o acidente da semana passada? Você sabe como está o menino? - pergunto.
- Ah, tá muito mal, muito mal mesmo...

* * *

Hoje, em minha viagem diária. Falas soltas:

"É, lá no aterro. Não tem como não morrer, né, cara? Morreu, sim. Morreu no dia seguinte. Não tinha como ser diferente".

Não pergunto.

* * *

O acidente foi em frente a um campo de futebol. Antes do acidente o menino devia estar lá, assistindo a partida. Quando aconteceu o acidente, o jogo parou. Mas só por breves minutos. Logo recomeçou.

Passo hoje em frente a um campo de futebol. Não aquele do acidente, outro. E me dói pensar em todas as partidas que o menino não vai jogar.

4 comments:

Mauro Jr. said...

Olá Érica. Não se preocupe em entender as tramas que o destino nos coloca. Apenas torça para que tudo o que ocorra com ele seja o melhor que ele possa viver. Cada um de nós vem à esta terra com um objetivo e não sabemos nem de longe qual é o dele.

Mauro Jr. said...

Observação importante é que falei como se ele ainda continuasse a habitar este nosso plano... Porque pra mim, ninguém morre. Apenas passa a existir em outro lugar.

Unknown said...

Tem uma curva, entre o Centro de Convenções de Recife e o Shopping Tacaruna, em que vi uma mulher que havia sido atropelada. Eu, que até então estava enormemente irritado por saber que já tinha perdido a sessão do filme que ia ver (As Invasões Bárbaras - eu ainda lembro qual era*), fui tomado pelo choque de ver o corpo de uma mulher gorda, toda estatelada e torta pelo chão. Não lembro hj se os médicos estavam tentando atendê-la, talvez já estivesse morta. Era de noite e não dava pra ver se havia sangue. Do lado havia uma adolescente, já imobilizada e com protetor cervical, aparentemente consciente.

No dia seguinte eu soube da história: a mulher gorda e a adolescente eram mãe e filha. Quando soube que a sua mulher morreu, o marido dela teve um infarto, e morreu na mesma noite, de infarto.

Nunca tinha prestado atenção nesse tipo de história, e devo confessar (ó, ser frio e cruel!) que nunca me emocionei muito com elas. Mas foi diferente daquela vez, pq ainda lembro daquele corpo estatelado, daquele testemunho da fragilidade da carne e do osso. Da vida - que é só isso, carne e osso.

É apenas isso. Um carro. Uma travessia de pista mal-planejada. Cabou-se.

Pode-se com vc ou comigo. Com qualquer um. A qualquer hora. Olhe bem antes de atravessar pista, por favor.

http://www.bemydemon.org/songs/onandon.htm

"Please, don't cry, we're designed to die"

*O fato de eu ter perdido essa sessão detonou uma série de eventos que, entre outras coisas, é responsável por eu estar aqui, lendo e comentando o seu blog. É sério, eu explico depois.

Unknown said...

Err, quem falou aí cima e está falando agora é o Edson mesmo. É que a conta do google em que estou logado é a do e-mail que uso no trabalho. :)