Dia agitado, muito trabalho, apresentações, fala em público, todas essas coisas que deveras fadigam (quase) todo ser humano. Sensação de dever cumprido, e talvez até um pouco mais que isso, devido aos muitos elogios. Sentimento de orgulho, tão estranho a mim, tão incomum... um sentimento doce, doce demais, e eu começava a refletir a respeito disso, a compreender melhor sobre um dos poucos ‘pecados’ que não costumam me afetar. Na volta para casa, optei pelo ônibus mais lento, não tinha pressa, eu tinha feito o que era preciso, superado aquela etapa. Cansaço físico, satisfação mental.
Mais da metade do caminho percorrido, chegando...
“_ Ai meu deus, ai meu deus...”.
Barulho.
Atropelamento. Um menino, uniforme escolar, dez anos, no máximo, chora pelo amigo. Não consigo olhar. Vejo apenas a mochila azul, jogada no meio da pista, longe de seu dono. Todos descem do ônibus, e eu fico parada, olhando o motorista. Cabeça baixa, mãos na testa, cotovelo apoiado no volante, desespero. “Você não teve culpa, fica calmo!”, muitos dos passageiros disseram. Não eu. Sua tristeza muda era pesada e me paralisava.
Desci do ônibus. A larga linha de sangue corre no chão, saindo do centro da aglomeração. As pessoas cercam o menino, e pisam em seu sangue, sem perceber, ou sem se importar.
“Ele tá vivo, motorista, fica calmo!”, diz um dos passageiros ao motorista, imóvel em frente ao volante.
“Sai de cima, sai de cima, se não vai ajudar, não fica aglomerado aí”, grita uma menina aos curiosos.
“Eu vou querer o dinheiro da minha passagem de volta!”, resmunga uma das passageiras que espera ansiosa que outro ônibus passe para resgatar os passageiros.
“Sabe, eu tive sorte. Outro dia, eu ‘bêbedo’ na Avenida Brasil, fui e voltei, atravessei os dois lados, e nada me aconteceu. Foi a mão de Deus, me levou pros dois lados, de cá pra lá. Impressioante, não?” me confidencia um curioso com poucos dentes.
A ambulância chega, o menino é levado com seu amigo. Outro ônibus pára, e acolhe os passageiros. Volto para casa, e lembro de um comentário feito por aqui, no blog: ‘carne e osso são coisas frágeis demais pra garantirem algo tão importante quanto vidas humanas, não acha?’. Sim, eu também acho.
E o orgulho, para quê?
Wednesday, September 19, 2007
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2 comments:
Érica, a vida é assim mesmo. Quando menos se espera vem Deus e atropela todo o orgulho ou satisfação. Mas ele é sábio: Ele aguardou o momento certo para fazê-la refletir. Cuide de seu caminho à cada passo. Soube se o menino está bem? Em qual cidade ocorreu?
Na verdade eu tinha vindo aqui lhe dizer que assistiria ao filme, mas a postagem do seu blog me impediu. Boa sorte e cuide-se!
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